Crítica à Crítica de Arte
por Gaby Benedyct*

Se por um lado a crítica de arte busca reflexão e posicionamento que acompanhe a complexidade de propostas da arte contemporânea, por outro deixa de se manifestar por pensar demais no que vai dizer e se preservar (em excesso) de declarações de risco.

O resultado desse impasse é que, por um lado a produção de textos de arte no Rio Grande do Sul, especificamente para o grande público, que não possui repertório nos conteúdos da arte, tem deixado de existir e por outro, a produção crítico-literária existente acaba circulando exclusivamente nos circuitos internos ou, no máximo, para simpatizantes já iniciados.

São raras as opiniões especializadas em mídias de acesso popular, que esclareçam sobre a profusão de exposições que se empilham em convites na caixa de e-mail. Em geral, temos um texto de apresentação do curador amigo, que muitas vezes fala mais da amizade ou apresenta uma apologia superficial da obra, do que uma análise do real resultado plástico da exposição em questão. Existem ainda opcionais textos de apresentação feitos em "artestês" e que visam causar boa impressão na classe artística, mas que nada dizem à quem não freqüenta o circuito interno. Considere-se registro às iluminadas exceções, claro, mas é raro...

Assumo desde já que não tenho leituras profundas e/ou quilométricas da teoria da arte, para falar em "artestês" e fazer uma super crítica à própria crítica, mas tenho suficientes conhecimentos práticos e teóricos, pra saber que é possível, sim, olharmos uma obra ou exposição e tecermos comentários técnicos, agradavelmente analíticos e inteligíveis sobre obra e artista, que possam realmente divulgar e seduzir o público a se aproximar. E esse público deveria ser bem mais do que os colegas, parentes do artista + a panela de sempre das artes. Quero geólogos, advogados, médicos, dentistas, arquitetos e todo mundo que decora seus escritórios e consultórios com objetos pseudo artísticos industrializados de gosto duvidoso. Imagino que essas pessoas gostariam de ostentar arte em suas paredes/prateleiras, mas parece que a arte não chega até elas...e porque não?

Claro que não quero dizer com isto que se substitua a boa crítica, em linguagem erudita. Seria grande ingenuidade... Pelo contrário, minha idéia é pensar em alternativas para que se preencha uma lacuna que anda fazendo falta para a articulação do sistema de arte, não invalidar o que já existe. Como sempre, não se trata de argumentar contra a academia ou ir contra a crítica, pelo inverso, minha idéia é de complementar para expandir as possibilidades, de criar oportunidades de aplicação de conhecimentos democraticamente em prol do benefício da sociedade, tanto para acadêmicos, quanto para público em geral.

Assim, reivindico a criação de uma nova classe de textos para a arte, exposições e artistas: o Comentarista de Arte.

Na minha poética idealização, o comentarista de arte tem formação universitária especializada – noções teórico-práticas em arte, e capacidade literário-jornalística de escrever um texto coloquial que aproxime obra/processo-artístico/artista para um maior entendimento/entrosamento com o público.

A diferença do comentarista para o crítico de arte é que o texto do primeiro tem linguagem mais acessível, dirigido ao grande público, sua opinião é de orientação e de informação, o comentarista situa o público, contrária à do crítico que propõe uma linguagem técnica e questões profundas e internas aos conteúdos da arte, tem uma pesquisa própria com grande carga de responsabilidade formal.

Claro que, apesar de coloquial, o comentarista como formador de opinião, não pode ser leviano e deve buscar no conhecimento técnico e crítico, os subsídios para a formulação de seu texto, que não defende questões, apenas às apresenta. Desde já é óbvio presumir que seu texto não irá conseguir, e nem deve pretender, ser isento de escolhas e personalidade, mas que seja tecnicamente bem articulado com os conteúdos da arte. Quem não concordar com suas escolhas, poderia contrapor com outro texto, com outras escolhas, naturalmente, sem melindres nem tantas luvas de pelica, e assim teríamos várias opções que diluiriam as atuais hegemonias legitimadas à pasteurização...

Veja bem que não estou falando sobre uma texto superficial e publicitário, nem sobre mediação pedagógica... mas porque não disponibilizar, facilitar o acesso – de forma popular - informações, curiosidades, referências, caminhos e opções sobre obra/artista? Medo de se comprometer com o mercado?...Qual mercado? Existe mercado pra todos...críticos, comentaristas, eruditos, laicos, pra artista emergente ou consagrado. O que falta é informação democrática e popularizada sobre esse enorme universo...

Lembro bem, o quanto era ávida sobre informações mais claras, antes de ingressar na academia; quando eu mesma era público como qualquer outro e da força que eu fazia pra entender "artestês". Porque parecia tão difícil conseguir uma informação sobre "como o cara fez isso?" Eu queria saber mais do processo, queria uma dica sobre a relação íntima do artista com aquele tipo de obra. Ok, eu tinha a minha visão e experiência pessoal, mas será que eu estaria me aproximando da idéia do artista? E as curiosidades do trabalho? É fácil imaginar que existem códigos ali, mas como acessar?...mesmo dentro do Instituto de Artes da UFRGS, levei semestresss pra entender como buscar informações específicas que atendessem os MEUS interesses sobre arte. E não me venha dizer que era só ir na biblioteca...se passa um bom tempo refinando o processo de pesquisa até chegarmos com simplicidade na informação certa. Agora imaginem esperar que o público interessado numa exposição, com tempo mínimo para contato com arte, irá sair pesquisando, por iniciativa e reflexão própria, sobre o artista e seu trabalho. Difícil!...

Se houvessem mais textos sobre arte, mais comentários sobre arte, talvez as pessoas perguntassem menos: "...mas o que o artista quer dizer?" (essa pergunta é muito chata, feita o tempo todo, mas coerente como reflexo dessa falta de comunicação...). Falta uma experiência cotidiana com o assunto, que construa uma bagagem cultural mínima com naturalidade e inserida no dia-a-dia.

O público em geral muitas vezes adora quando o artista fala. Tem curiosidade sobre arte. Nosso jargão técnico é que muitas vezes o constrange. Fica parecendo que quem não gosta de dar voz à arte é a própria classe, que sabe criticar muito bem as atitudes e comentários artísticos mais informais, mas por outro lado, em geral, somente aponta problemas, enrola nas soluções e mantém o público perdido. Isso é bom? É pedagógico? Não acredito e audaciosamente me oponho.

Antigamente era o "marchand", pessoa entendida em crítica ou ligada à ela que fazia essa aproximação do público com a arte, mas esse profissional parece que anda sumindo, diminuindo funções, assoberbado tentando sobreviver num mercado de arte complicadíssimo. Sua ação não dá conta diante de tanto público sem informação e me solidarizo com sua preocupação com a comunidade de consumidores de arte.

Aliás, porque colecionar algo a que ninguém dá valor? Que motivação o público tem em investir em novos nomes da arte, se eles não tem um valor social fora do universo artístico. A arte é legitimada entre os seus, mas não é legitimada para o grande público e assim vai perdendo seu valor fora dos muros da galeria, do museu e da universidade...

Ninguém sabe porque " o fulano é o artista da vez"...

Entre os artistas é comum adquirirmos uma obra por reconhecermos valor formal ou, como a maioria dos mortais, pelo tema que nos toca, mas sabemos que muito do mercado de arte se construiu e se sustenta pela indicação especializada que diz que tal artista tem valor, que tal técnica é sofisticada, e orienta o público para valorizar seu investimento, para que ele não gaste seu suado dinheiro em vão, só que não vejo ninguém fazendo isso no grande-novo-mercado-de-artistas-emergentes-atual do Rio Grande do Sul. Dar prêmio e fazer salão não adianta, visibilidade efêmera, quase fantasmagórica, não gera conhecimento nem memória popular.

Em contraposição, diariamente existe um mundo de outras coisas que a mídia diz que é "cool", bom para o espírito e bem legal de consumir...não que arte deva virar supermercado com balcão de ofertas e publicidade ostensiva, seria um excesso perigoso e quase indecente, mas daí a não ter nenhuma orientação ao interessado é puro suicídio anti-sustentabilidade. Pessoalmente me parece que defender este silêncio só pode interessar a quem já tem seu lugar ao sol e medo de repartir a areia...

Claro que pode-se presumir que será difícil de uma hora pra outra as pessoas se interessarem em ler comentários sobre arte, mas se nos apropriarmos da estratégia de mídia que funciona pela quantidade e insistência, talvez nessa presença cotidiana resida uma gênese para a memória e conhecimento.

Argumento pela diversidade em obter informações sobre arte e artistas sem que necessariamente o público tenha que se deslocar até a galeria, museu ou biblioteca. Façamos uma campanha por uma coluna diária na Zero Hora ou Correio do Povo, ou Jornal do Comércio...ou em todos eles juntos. Convencer que divulgem o site/blog do artista nas entrevistas e coberturas, no tijolinho da agenda no jornal... Vamos negociar um horário específico no rádio, criar blogs que comentem exposições, programas de debate sobre arte postados no youtube , orkut´s de crítica de arte, revistas digitais que comentem arte para além de ilustração de suas páginas... falar de tudo isso mostrando o quanto pode ser divertido e "baladeiro" conhecer sobre este artista ou aquela técnica...

A informação sobre arte deveria ser tão profusa quanto o número de exposições semanais/diárias, mas não é isso que acontece. A mídia anuncia exposições pra lá e pra cá sem o mínimo critério crítico ou de comentário, chegando ao cúmulo usar as coberturas de exposições apenas para coluna social com fotos onde as obras não aparecem (!?!?).

E neste cenário confuso, o sistema artístico, por omissão confortável, acaba legitimando para o público que tudo é arte e que cabe a ele toda e qualquer decisão de apreciação, mas será assim mesmo?

Considerando que toda comida é comestível, você consumiria feijão com arroz com o mesmo entusiasmo que salada de quiabo? Ou considera que comer verduras cruas é o mesmo que comer peixe crú?

Claro que não, né... da mesma forma, tudo pode ser arte, mas existem critérios importantes pra orientar a minha e a sua digestão cultural. Nada contra o feijão com arroz, mas a vida pode se tornar mais interessante se soubermos o que é um "carpaccio". Existe, sim, a real necessidade de disponibilizarmos um gourmet para esta salada artística e que saiba nos oferecer corretamente os diferentes temperos de cada obra, para que realmente se possa escolher entre "pollo" e "escargot" ou para que não se acabe comendo lesma por ostra.

Na falta de ações imediatas assumo minhas próprias palavras e me arrisco em publicar textos que têm a pretensão de motivar o leitor a seguir em frente por suas próprias pernas até o objeto de arte e quem sabe, se interessar ao ponto de levá-lo pra casa, seja debaixo do braço ou na idéia.

Qualquer idéia de contraponto, crítica, ou adesão será benvinda, afinal falemos bem ou mal, mas falemos, e muito!

Se quiser continuar acompanhando comentários sobre arte, acesse:

www.azulgaleria.com.br

Abraço, Gaby Benedyct

* Gaby Benedyct tem formação em Artes Visuais pela UFRGS, já criou, articulou e se envolveu em várias atividades de interface público x arte, e atualmente produz e gerencia a AZUL Galeria Produtora, um espaço de muitas pesquisas, reflexões e confraternizações da classe artística e público em geral.

Nenhum comentário: